16 de dezembro de 2012

SOB O SIGNO DA LUA



SOB O SIGNO DA LUA

Durante uma viagem a Caicó, cidade símbolo do Alto sertão brasileiro e capital do Seridó potiguar, a estrada e a paisagem aberta à fronte puseram-me a lembrar de ter lido certa vez em um livro sobre o clima brasileiro que a caatinga preservava o mesmo rigor dramático do mais severo inverno europeu, pois há de se notar que mesmo concentrando-se em polaridades extremas de temperatura e cores, ambos são irmãos em formas e enredos. O clima sertanejo empenhado em manter sob o castigo do sol um ambiente temporal de lentidão pedregosa e agreste montou o cenário propício à criação estética do projeto. Eu tinha acabado de ler Litanias da Lua, um livro de organização e tradução feitas por Régis Bonvicino de uma pequena antologia poética e ensaios sobre e do próprio Jules Laforgue, poeta simbolista uruguaio naturalizado francês, que muito se dedicou a olhar a lua e a transverberá-la em litanias poéticas, essas e em especial Climat, Faune Et Flore De La Lune, que foram o andaime essencial para a união das poéticas que germinaram no contexto do olhar lançado sobre o ensaio fotográfico. As fotografias foram feitas em trechos das estradas que ligam os acessos a Caicó e na Barragem das Traíras, pertencente a uma comunidade rural do município. De súbito, fixado na Lua laforgueana, comecei a indagar que forças expressivas trariam à tona ambientação tão química e pesada, de silêncio austero e matéria senil de um astro fóssil com uma mãe-natureza dirigida a ter personalidade própria, de seres metálicos e brancuras ácidas oriundos de pura matéria lunar, onde o passado e o sortilégio são colunas de Necrópoles invictas a Mnemósine e cinzas se desfazem nas ramificações de suas planícies de Letes. Da atmosfera branca em sua aurora ao ocre ácido ao se pôr o seu sol, sobressaíram formas, texturas e padrões que embora sertanejos, remetem a uma ordem de criação de natureza lunar. Entre os gregos era Selene. Foi amante de Pã, que a presenteou com um rebanho de bois brancos. A Lua é tudo que é passivo, receptivo e emocional: são as impressões, os sentimentos, a memória. Na Alquimia é a prata. Rege os sonhos e as experiências na infância. Miss Diana-Artémis, aparece na intimidade ao cair da noite, é a luz refletida na imensidão tenebrosa.

Optei por usar a fotografia em negativo, que condensou a atmosfera, metalizou e revolveu a natureza e a cor substancial em aspecto mineral e alquímico. Durante o processo, encontrei similaridades de formas que partiam desde a vegetação rasteira ao couro do gado e iam beirar no firmamento, universos simbólicos escondidos ao olho humano terreno, nascidos da fotografia em negativo que revela outro lado do espectro luminoso, que faz apelo a imaginação de um aparelho óptico de uma criatura lunar dentro da face branda e imaculada dessa natureza, regida pelo deus Silêncio.

Nunca será tarde para o homem olhar todo o mistério envolvido nesse cais aéreo, e dentro do seu inconsciente e de sua matéria, em correspondências, reencontrar a sua ligação ancestral com a carne da Lua.

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